segunda-feira, 20 de outubro de 2014

AOS EQUIVOCOS DO VOTO NULO, UM ALERTA...


UMA REFLEXÃO SOBRE AS ELEIÇÕES NO SEGUNDO TURNO


Valdir Izidoro Silveira (*)

 

A tragédia da política é que não haverá nunca um “bom” momento para tomar o poder: a oportunidade de acesso  ao poder se apresentará sempre no pior momento possível( de débâcle econômica, catástrofe ecológica, instabilidade civil), quando a classe política dirigente perde sua legitimidade e a ameaça fascista-populista ronda ameaçadora.  Estamos  entrando num novo período no qual a crise, ou melhor, uma espécie de estado econômico de emergência-, com a necessidade de todo o tipo de medidas de austeridade( cortes dos serviços sociais, redução dos serviços gratuitos de saúde e educação, insegurança do trabalho cada vez maior, etc.) é permanente e se está convertendo  numa constante,convertendo-se numa forma de vida. Aqui a esquerda defronta-se com a difícil tarefa de insistir  que estamos falando em economia política, que não há nada “ natural” em semelhante crise, que o sistema global econômico existente se sustenta numa série de decisões políticas, insistência que não deve deixar, ao mesmo tempo, de estar totalmente consciente de que, até agora, ao continuar dentro do sistema capitalista, violar suas regras causa efetivamente colapsos econômicos, visto que o sistema obedece a sua própria  lógica pseudo-natural. Então, mesmo que estejamos entrando, claramente, numa fase de exploração ampliada, que é por sua vez facilitada pelas condições do mercado global ( terceirização, etc.) , deveríamos também ter presente que esta exploração ampliada não é resultado de um malvado plano tramado por capitalistas, sim deriva das urgências impostas pelo funcionamento do sistema, sempre a beira do colapso financeiro.

É por isso que achamos totalmente equivocada chegar a conclusão, a partir da crise atual, de que o melhor que a esquerda pode fazer é esperar que a crise seja limitada, e que o capitalismo continue garantindo um relativo alto nível de vida para um crescente número de pessoas: uma estranha política radical cuja maior esperança radica em que as circunstâncias continuem tornando-a inoperante e marginal. O melhor indicador da falta de confiança da esquerda de hoje,  em si mesma,  é seu medo da crise: essa esquerda teme perder sua cômoda posição de crítica totalmente integrada ao sistema, não disposta a perder nada(1). Portanto, mais que nunca, o velho lema de Mao Tse Tung é pertinente: “ Tudo sob o sol está um caos absoluto; a situação é excelente”. Uma verdadeira esquerda leva a sério uma crise, sem ilusões, porém como algo inevitável, uma oportunidade que deve ser aproveitada ao máximo. O ponto de partida básico de uma esquerda radical é que, mesmo que as crises sejam dolorosas e perigosas, são inevitáveis e o campo em que as batalhas têm que ser travadas e ganhas.

As manifestações anti-capitalistas são uma constante hoje em dia. De fato somos testemunhas de uma inundação de críticos dos horrores do capitalismo; abundamos livros, as exaustivas investigações jornalísticas e as reportagens televisivas sobre empresas que estão contaminando sem nenhum remorso nosso meio ambiente, sobre banqueiros corruptos que seguem recebendo obscenos bônus enquanto seus bancos estão sendo resgatados com dinheiros públicos, sobre máquinas nas quais crianças trabalham horas extras, etc., etc. Há, contudo, uma armadilha em toda esta inundação crítica: ainda que pareça dura, o que nela nunca é questionado é o marco democrático-liberal de sua luta contra os excessos do capitalismo. A meta (explícita e implícita) é democratizar o capitalismo – humanizar com dizem alguns-, estender o controle democrático da economia através da pressão dos meios de comunicação, de investigações parlamentares (CPIs, etc.), de leis mais duras, de investigações policiais honestas, etc., porém nunca se questiona o marco institucional democrático do estado de direito (burguês). Esse continua sendo  a vaca sagrada que nem mesmo as formas mais radicais desta “ ética anti-capitalista” ( o Foro de Porto Alegre, o movimento Seattle) se atrevem a tocar. Que se definam: querem o socialismo ou maquiar o capitalismo?

O momento atual, a crise sistêmica do neoliberalismo, a derrocada do capitalismo a níveis internacionais com a quebradreira na Grécia, Espanha, Alemanha, França e no olho do furacão capitalista: os EUA, exige  uma madura e séria reflexão.   Essa constatação nos orienta para um caminho, para uma ação revolucionária; que ação é esta?

A formação de uma grande Frente Anticapitalista e Antiimperialista que tenha como objetivo a construção de uma sociedade socialista.

As reações do operariado e demais segmentos sociais explorados pelo mundo afora contra a opressão e exploração do capitalismo é um sinal de que estão maduras as condições para uma ação mais radical.

No Brasil a conciliação com o capital continua apesar de alguns ganhos e avanços sociais que, na essência, não tocam no bolso dos capitalistas.

Com a construção do Partido dos Trabalhadores assistimos toda a sorte de ataques às antigas lideranças sindicalistas. Joaquinzão foi a figura mais atacada e execrada pela acusação da prática do peleguismo. O que vemos hoje; lideranças da CUT,CTB, Força Sindical e outras entidades sindicais, fracionadas e sem força de negociação totalmente aparelhadas e apelegadas; na década de 60 tínhamos o IAPI, IAPC, IAPB e IAPETEC; quando os empregados de um destes institutos entrevam em greve,todos os outros entravam em solidariedade para dar poder de força. Um movimento sindical que só pensa e age em torno de melhorias salariais, como se isso bastasse, como se os patrões estivessem preocupados com o seu bem estar. O problema não está no salário, sim no sistema que deve ser mudado. Hoje, as diversas entidades de categorias fracionadas não têm mais força para sustentar uma greve. Os culpados de tudo isso são os novos pelegos de plantão. E o que é pior de mãos atacadas, sem reação perante uma direita organizada, principalmente no parlamento – no Congresso Nacional- onde quadros da direita açodam um governo eleito pelo campo da esquerda, mas que, está refém de uma base aliada que se sustenta sobre uma areia movediça. Não entendem alguns críticos, à esquerda, que o governo Lula e agora Dilma, que as conciliações feitas, que os pífios avanços, aconteceram porque a correlação de forças não era- é- favorável, faltou e falta apoio para avançar, para se contrapor as investidas de  um congresso reacionário e, o que é pior, nas mãos de parlamentares, em sua maioria esmagadora, chantagistas e crápulas negocistas. Cabe ao campo da esquerda dar sustentação para os avanços que queremos. Ou será que os companheiros (as) acreditam em salvador da pátria, em milagreiros? Um Presidente sozinho, nada pode fazer; quem assim pensa ou é néscio ou está mal intencionado!

As condições internacionais e nacionais sinalizam para uma mobilização popular; nas ruas.  As ações de corrupção estão sendo praticadas por pessoas e parlamentares do campo da direita– sempre agiram assim-, isso não descarta que alguns oportunistas de “ esquerda” não tenham se comprometido nessa empreitada. Toda essa corrupção, todos os assaltos aos cofres públicos devem nos orientar para a mobilização; para por o povo, os operários, os estudantes, os professores, os funcionários públicos nas praças, nas ruas para exigir da nossa Presidenta medidas mais duras e, principalmente para darmos sustentação a essas medidas.

A política do quanto pior melhor não nos interessa; não é uma prática revolucionária, sim oportunista e golpista. O que vemos hoje são dois tipos de comportamento à esquerda: um de total comodismo e apatia, outro de um esquerdismo e sectarismo combatendo o governo de Dilma, da mesma forma como o fizeram com, Lula num discurso semelhante, idêntico aos nossos inimigos de classe. Quando direita e esquerda uniformizam discurso “crítico”, alguém está tentando enganar alguém; alguém está equivocado; alguém está trabalhando no campo do golpe ou alguém está traindo a classe trabalhadora. 

Aqui cabe uma pequena digressão a respeito da terminologia: esquerda; Colussi(2) num texto Enquanto a direita se une a esquerda se fragmenta afirma que é difícil precisar com exatidão o que significa ser esquerda. Hoje em dia é complicado entender exatamente que é “ a esquerda”. Há uma “ esquerda” , de posições conservadoras, que buscam manter a regularidade do sistema. Os que se opõem a isto, é a esquerda ( esquerda parlamentar, movimentos armados, organizações camponesas(MST, Via Campesina), sindicatos combativos, partidos remanescentes do estalinismo histórico, novos movimentos urbanos como os desocupados,   estudantes mobilizados, intelectuais e artistas críticos, etc., etc. A lista é grande). Pelo contrário, quem defende o sistema é a direita.

Quando aparecem sinais de alarme, a direita- sempre e em qualquer parte do mundo- cerra imediatamente suas fileiras e atua como bloco monolítico. Definitivamente, quando sofre um ataque – a exemplo da Comissão da Verdade- está em jogo sua sobrevivência como setor privilegiado; e isso, pelo que se vê, não admite dúvidas: ou se une ou a expropriam, ou deixam de lado as diferenças e atuam como bloco ou desaparecem. A experiência nos ensina que eles sempre se unem nessas condições.

Porém não acontece o mesmo com a esquerda. Por quê? A direita tem muito a perder (seus privilégios de classe), por isso sabe unir-se.   A esquerda, enquanto expressão dos setores explorados e excluídos, , “não tem nada a perder, há não ser suas cadeias” , para expressá-lo com uma frase épica.

Como se diz com certa malícia, porém não sem um fundo de verdade: se algo define as esquerdas políticas e sua “mania” de estar sempre se dividindo, lutando por minúcias, fragmentando-se. Esse é um mal sempre presente e em qualquer parte do mundo.

O que preocupa é a fragmentação interminável que parece ser um câncer; em vez de se unir, vivem se dividindo. A ordem parece consistir em “quem é mais de esquerda”. E nessa dinâmica, nesse principio... se desperdiçam  energias que debilitam a luta política. 

A direita é pragmática. Quando te que unir-se não se equivoca: se une e passa por cima das intenções de mudança que buscam tirar seus privilégios. A esquerda não. Afinal, interessa mudar algo, ou interessa quem o diz ”melhor”?

 

É hora da união! É hora de sepultarmos de uma vez o velho chavão de que “a esquerda só se une na prisão”; o que é também uma visão caolha visto que até na prisão constatamos esse comportamento.

Nós comunistas erramos muito e fomos perseguidos, presos, torturados e assassinados pelos erros e acertos  que cometemos. O golpe quando vem, a reação quando toma o governo ela sempre persegue os seus inimigos de classe independentemente dos equívocos,dos erros que estes cometam no processo político em andamento; não respeitam, não levam em conta as fissuras, as divisões, as tendências, os rachas no campos das esquerdas. Companheiros (as) o pau canta nas costas de todos!

 

Segundo Petras(3) estamos assistindo a ascensão e morte do capitalismo extrativista. Petras chama de Reprimarização da Economia (ReprE) o fenômeno que “ envolve uma comutação da industrialização por substituição diversificada de importações para a dependência agravada das exportações agrominerais”. É um processo que se passa em muitas partes do mundo e, principalmente nos países latinoamericanos. O Brasil não foge a regra; isso vem desde a sua “descoberta” pelos dilapidadores portugueses da época; hoje temos minério de ferro, potássio, soja e milho como comodities chefes da economia agro-mineral exportadora.

Os regimes, que Petras(3) chama de Regimes de Centro Esquerda(RECE) são os que estão colocando em prática a ReprE. “ A ReprE é promovida sob as bandeiras do anti-neoliberalismo e até do anti-capitalismo, mesmo quando os RCE assinam contratos alongo prazo e em grande escala com uma vasta gama de multinacionais que se tornaram os atores econômicos principais nas suas estratégias de crescimento. No Brasil sob a égide do PT de Lula se cometeu o equívoco de dar concessões as multinacionais das sementes, com a introdução dos transgênicos; não havia necessidade de um governo com apoio popular se render às multinacionais Monsanto, Syngenta, Basf e outras.

Por outro lado ao entregarmos a Vale do Rio Doce, governo FHC, nós colocamos nas mãos das multinacionais nossas reservas de minérios; hoje no governo Dilma, estamos negociando o potássio matéria prima importante na produção de fertilizantes. A Petrobras está cedendo à Vale, por trinta anos,  uma reserva de potássio.

Os “regimes de centro esquerda” estão confiando no capitalismo extrativista e transformando-se em complexos estados rentistas que arrecadam royalties, “rendas”, com exportação de matéria-prima. A America Latina desregulamentou o setor extrativo em resposta à ascensão da procura asiática pelos seus produtos, levando a investimentos em grande escala e ao longo prazo, crescimento firme e retornos lucrativos.

Vejam o que diz Petras(3) “ Devido às suas receitas substanciais e ao crescimento razoavelmente alto e estável, os RECE têm sido capazes de financiar programas de pobreza, conceder concessões salariais, expandir despesas sociais e cooptar setores da liderança dos sindicatos e movimentos sociais.” Essa observação cabe como uma luva no Brasil. “ Durante a maior parte da última década, os RECE dependentes das exportações primárias  obtiveram os melhores resultados do conflito com os seus adversários externos e internos”.

Uma observação importante é a constatação de que, ao longo do tempo, a dependência de exportações de mercadorias levou a grande volatilidade na economia, a uma estrutura de classe altamente polarizada e ao domínio oligárquico. É o que vemos no agronegócio nacional e multinacional. 

Em conseqüência dessa política de ReprE temos assistido a crescente concentração da propriedade, especialmente do capital estrangeiro no setor extrativo associado com tecnocratas do setor público com estreitos laços passado e provavelmente futuros com o setor privado, sem falar em lucrativas consultorias voltadas para os negócios de fusões e aquisições, para ampliar o âmbito de operações de joint ventures. A concentração de propriedade está estreitamente correlacionada com o crescimento de mega milionários, a exemplo de Eike Batista, e a concentração de riqueza. Empresas privadas nacionais e bancarias fundem-se,fazem parcerias e beneficiam-se servindo as firmas estatais-multinacionais. As multinacionais, tecnocratas, casas de investimentos, consultores e banqueiros tornam-se a nova classe dirigente dos RECE. As práticas do sub e do super faturamento são um modus operandi nessa seara de mafiosos.

“ Lucros é o nome do jogo que torna as commodities primárias um negócio atraente.” As multinacionais envolvidas lucram em todos os elos da cadeia; ao financiarem insumos(fertilizantes, sementes e agrotóxicos) e maquinários para a produção, na aquisição e venda de matérias-primas, no marketing e no processamento industrial. O grosso desse lucro é todo exportado para a matriz.

Ficamos com os contenciosos; as economias regionais, onde atuam as empresas extrativistas, são sobrecarregadas com o custo de lidar com o influxo de criminosos, prostitutas, alcoolismo, uso de drogas, jogo, doenças venéreas, crime e outros “ custos gerais” anti-sociais, sem falar na contaminação ambiental. Enquanto os lucros são privatizados, os custos das conseqüências sociais sobrecarregam a comunidade, o governo e as economias locais.

Todas as decisões políticas referentes à entrada, localização, condições de operação, impacto ambiental do capital extrativo são  tomadas através de acordos entre uma  pequena elite de executivos nos governos e os administradores principais das multinacionais. As comunidades locais e suas lideranças, enfim os principais envolvidos ficam de fora ,são excluídos.

Essa é uma análise que poderíamos aprofundar muito mais para desmascarar os mecanismos de dependência e exploração que envolve os negócios no capitalismo extrativista.

Em conclusão podemos afirmar o combate a essas forças, provisoriamente, hegemônicas com alianças de RECE só pode ser feito através de uma Frente Anticapitalista e antiimperialista com a participação de organizações populares, com o comprometimento das Centrais Sindicais através da aliança operário-camponesa(  MST,Via Campesina) com uma convocatória de um dia de paralisação nacional para mostrar aos parlamentares de direita no Congresso Nacional, a todos os exploradores que nós temos a força unidos e queremos mudar esse país.

Para isso propomos:

  1. Criação da Frente Anticapitalista e Antiimperialista, envolvendo todas as organizações e movimentos populares e revolucionários, para a elaboração de um Programa Estratégico e Tático do Poder Popular(4);
  2. Criação de Comitês e Organismos de Mobilização Popular que sejam germes do Poder Popular e que caminhem para a proposição de um grande Encontro Nacional, nos marcos do projeto da construção da Frente Anticapitalista e Antiimperialista(4);

Finalmente é pertinente e interessante que tanto a mobilização e as lutas, como o projeto de construção da Frente Anticapitalista e Antiimperialista e a elaboração do Programa Contra-hegemônico sejam os mais amplos e unitários possíveis no campo da esquerda orientada ao socialismo, com  a ruptura do capitalismo e não com reformas(4).

O mais importante é a criação e o desenvolvimento de um novo pólo político socialista  de massas com disposição de construir as condições de disputar o poder na perspectiva do socialismo, com a incorporação de amplos setores de massa desgarrados do projeto conciliador do pacto social, com prioridade para setores de massa e organizações políticas que têm se mantido em luta contra o Estado burguês e sua opressão de classe(4).

Essa reflexão, esse desafio, é um tributo não só a memória de todos os companheiros(as) e camaradas que tombaram na luta contra a ditadura na perspectiva  da construção de um Brasil melhor; de um Brasil Socialista.

(1) Slavoj Zizek

(2) Marcelo Colussi

(3) James Petras

(4) Resoluções XIV Congresso/ PCB

 (4) Resoluções XIV Congresso/PCB

(*) Comunista, Ex-Preso Político da Ilha/Ex-Militante da Var - Palmares

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