sexta-feira, 29 de agosto de 2014

TRANSGÊNICOS PARA QUEM? (3)


 

2 CIÊNCIA PRECAUCIONÁRIA COMO ALTERNATIVA AO REDUCIONISMO CIENTÍFICO APLICADO À BIOLOGIA MOLECULAR

Rubens Onofre Nodari

Introdução

O século 20 foi marcado por muitos fatos. Um deles foi o aumento da manipulação do mundo físico com o avanço científico  tecnológico. Particularmente na área da biologia, a influência de físicos da visão reducionista promoveu uma verdadeira corrida para transformar uma ciência complexa e plena de interações em poucas e fortes forças. Um dos resultados foi o avanço tecnológico.

Outro foi a grande contribuição que essas tecnologias promoveram para o desastre ambiental que estamos presenciando. O reducionismo como método científico consiste em decompor o todo em suas partes constituintes, até suas últimas e menores partes possíveis. Tradicionalmente, o reducionismo determinista vai mais longe, pois isola do ambiente exterior estas menores partes, que compõem um todo, além de lhes atribuir propriedades e poderes, tais como explicar fenômenos complexos ou ser solução para problemas globais centenários.

Há muitos exemplos de reducionismo científico, mas apenas dois deles serão objeto de análise deste artigo: o poder e as propriedades dados ao DNA1 e o uso da tecnologia do DNA recombinante (também chamada de engenharia genética) como ferramenta de soluções de muitos problemas.

O início da biologia molecular e a engenharia genética

As técnicas do DNA recombinante foram desenvolvidas no início dos anos 1970, decorrentes de visões, técnicas e descobertas da biologia molecular. Por sua vez, uma significativa parte dabiologia molecular, teve seu desenvolvimento muito antes, baseado na visão reducionista e determinística de Max Mason e Warren Weaver, da Rockefeller Foundation (REGAL, 1996). Hoje, consegue-se entender que esses pesquisadores usaram os recursos financeiros e políticos da Rockefeller Foundation para tornar moda e promover uma nova filosofia e novas práticas para a biologia.

Segundo Philip Regal, esta nova biologia deveria ser baseada em agendas filosoficamente reducionistas, já sugeridas anteriormente por Hermann Muller e Jacques Loeb. Para esta visão, a biologia deveria tornar-se “a química do gene”.

Para tanto, Max Mason e Warren Weaver refugiaram-se da física quântica. Eles transplantaram os sonhos reducionistas/ deterministas que consideravam ser “ciência verdadeira” para a nova biologia. Assim, eles não somente patrocinaram técnicas analíticas novas e poderosas para encontrar e caracterizar o material hereditário. Também encorajaram a comunidade científica a usar o reducionismo/determinismo e termos utópicos nos discursos quando da submissão de projetos (ABIR-AM, 1987; REGAL, 1989). Desde então, dois grupos principais de cientistas biologistas se formaram. O primeiro grupo, de cientistas biológicos tradicionais, caracteriza-se por ter uma visão holística e realiza investigações em estrutura, fisiologia, evolução, comportamento, adaptação e ecologia, entre outros, de diversas formas de vida. A concepção intelectual e filosófica baseia-se nos anatomistas, melhoristas, naturalistas e fisiologistas dos séculos 18 e 19, que estudavam os organismos em seus hábitats naturais e nos laboratórios (REGAL, 1996), ou seja, a pesquisa científica pode ser conduzida sob um pluralismo de estratégias, não apenas aquelas que se encaixam na abordagem descontextualizada, mas outras que permitem investigação empírica que levam completamente em conta as dimensões ecológicas, experimentais, sociais e culturais de fenômenos e práticas (como a agroecologia). Esta é a reivindicação do pluralismo metodológico (LACEY, 2005).

O segundo grupo, formado por biólogos moleculares, conduz pesquisas na natureza química da genética e síntese de proteínas, e prometem que um dia a biologia tradicional tornar-se- á obsoleta e a biologia será reconstruída por eles. As raízes da concepção intelectual remontam, em sua grande parte, na química e na física. Estes cientistas advogam que usam a “verdadeira estratégia para estudar a vida” (REGAL, 1996). Também advogam que o conhecimento reside nos argumentos reducionistas e que desenvolvem conhecimento relacionado à química da substância básica da vida. Neste caso, essas metodologias descontextualizam os fenômenos, ignorando os seus contextos ecológicos, sociais e humanos, e (no caso dos fenômenos biológicos e humanos) os reduzem às suas estruturas e aos seus mecanismos físico-químicos subjacentes (LACEY, 2005). O autor chama-as de metodologias descontextualizadas/reducionistas.

Pelo sonho da filosofia reducionista espera-se que um dia todo o conhecimento seja unificado e reduzido a conceitos das ciências físicas e limitado a simples modelos determinísticos preditivos que permitirão o controle da natureza física, orgânica e humana. Para tal, esta tentativa inclui a redução das ciências sociais à biologia e esta à química, que por sua vez será reduzida à física, que, sim, pode prever precisamente, com simples modelos determinísticos, todos os níveis da vida e sua organização.

Esta filosofia reducionista foi difundida em muitas partes do mundo. Os laboratórios apoiados pela Rockefeller Foundation não estavam só nos Estados Unidos. Para citar apenas um país fora os Estados Unidos, três casos foram detalhadamente estudados na Inglaterra: fisiologia celular, no Molteno Institute em Cambridge; estrutura de proteínas, no Cavendish Laboratory, também em Cambridge; e biofísica, no King’s College, Londres. Todos estes estiveram ligados ao surgimento da biologia molecular e ilustram os impactos e os limites da filantropia na inovação científica (ABIR-AM, 2002).

Sistematicamente, desde há muito tempo, os promotores e praticantes do reducionismo/determinismo prometeram determinar a estrutura do gene e usar esta informação para corrigir problemas sociais e morais, incluindo crime, pobreza, fome e instabilidade política. Nesse contexto da teoria reducionista, seria lógico que problemas sociais poderiam simplesmente ser reduzidos a problemas biológicos e, assim, corrigidos por meio de manipulações de DNA, órgãos e solo, por exemplo.

Dentre os muitos, dois exemplos são emblemáticos de que o reducionismo/determinismo não resolve os problemas da humanidade. O primeiro refere-se às promessas sequenciais de resolver problemas de saúde humana com o uso de técnicas de biologia molecular. O segundo é o não cumprimento da promessa de diminuir a fome do mundo com a produção de plantas transgênicas, uma das aplicações da engenharia genética.

Sem comentários:

Enviar um comentário