domingo, 2 de junho de 2013

NOVO ESCÂNDALO ATINGE O FMI



Eduardo Febbro
 
Depois do escândalo sexual que custou o posto ao ex-director gerente do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Khan, a actual responsável pelo organismo, a ex-ministra francesa da economia Christine Lagarde, compareceu por duas vezes na Corte de Justiça da República para prestar esclarecimentos num caso em que está envolvida, juntamente com o empresário Bernard Tapie. O Ministério Público acusa Lagarde de “cumplicidade na falsidade de documento público e malversação de recursos públicos”.


Paris - O FMI tem projecções nefastas, e não só sobre as economias que pretende sanear a golpes de cortes no gasto público. Seus últimos directores gerentes conheceram uma série de episódios judiciais de ressonância mundial. Depois dos enredos sexuais que custaram o posto ao ex-director gerente do FMI, o francês Dominique Strauss-Khan, a actual responsável pelo organismo multilateral, a ex-ministra francesa da economia Christine Lagarde, compareceu por duas vezes na Corte de Justiça da República (CJR) para prestar esclarecimentos num caso em que está envolvida, juntamente com o multifacetado e poli-condenado empresário Bernard Tapie. Como havia adiantado a imprensa francesa, Christine Lagarde saiu das audiências como “testemunha assistida”.
O Ministério Público acusa Lagarde de “cumplicidade na falsidade de documento público e malversação de recursos públicos” e, segundo o Le Monde, hoje existem “evidências consistentes” de sua plena responsabilidade no caso. A Corte de Justiça da República é a jurisdição que, na França, se encarrega de julgar os membros do governo pelas infracções cometidas no desempenho de suas funções.
As infracções imputadas à directora gerente do Fundo Monetário Internacional remontam aos anos em que era ministra da economia do governo conservador do ex-presidente Nicolas Sarkozy (2007-2012). Nesse período, Lagarde teve de intervir num caso que opunha o empresário Bernard Tapie ao banco público Crédit Lyonnais. O episódio terminou a favor de Tapie, com um valor de causa de 403 milhões de euros. De facto, toda a história é uma trama de ladrões de alto voo.
Bernard Tapie comprou a multinacional Adidas nos anos 90 e depois vendeu-a, através do banco Crédit Lyonnais, que se encarregou de encontrar um comprador e de realizar a transacção. No entanto, uma vez feita a venda, Tapie descobriu que o haviam enganado, que na realidade fora o mesmo banco que, através de uma estrutura offshore, comprara a empresa para depois a revender por um preço maior. Aí começou a batalha judicial de Tapie contra a instituição bancária.
A pilha de papéis caiu nas mãos do Consórcio de Realização, uma entidade encarregada de liquidar os passivos do Crédito Lyonnais. Em 2007, Lagarde ordenou que o conflito fosse resolvido por meio de uma arbitragem privada e não através da justiça comum. Para isso, designou-se um “corpo arbitral” e foram nomeadas três pessoas principais. Em 2008, os árbitros deram a razão ao empresário e o Estado teve de pagar os 403 milhões de dólares. A oposição socialista denunciou as condições da arbitragem, trouxe provas das irregularidades da decisão, mas Christine Lagarde permaneceu sem apresentar recursos.
A Corte de Justiça da República quer saber por que motivo Lagarde não recorreu de uma decisão que custou ao Estado 400 milhões de euros, cobrados por Bernard Tapie. Em Agosto de 2011, a Corte abriu uma investigação contra Christine Lagarde, por “cumplicidade na malversação de recursos públicos”. A CJR também aguarda a resposta da ex-ministra para o facto de ela ter preferido uma arbitragem privada, quando os recursos públicos estavam em jogo e, também, de ter feito ouvidos moucos diante da evidente parcialidade de alguns dos árbitros. O caso ampliou-se no ano passado, quando a justiça levou a cabo uma série de buscas nos escritórios e residências de vários colaboradores próximos de Nicolas Sarkozy.
Bernard Tapie declarou à imprensa francesa que a “sorte judicial de Christine Lagarde” não lhe “interessa, em absoluto”. Se o processo contra a directora gerente do FMI seguir o seu curso e ela for formalmente responsabilizada, Lagarde pode ser condenada a 5 anos de cadeia e a pagar 150 mil euros de multa. Até agora o FMI apoiou-a plenamente. O porta-voz do Fundo, Gerry Rice, declarou que “mantém a sua confiança na capacidade da directora gerente para exercer as suas responsabilidades de uma maneira efectiva”. O encarregado de imprensa também recordou que a imunidade diplomática de Lagarde tinha sido suspensa a pedido da própria directora.
Em Paris, o governo foi claro. Seu porta-voz, Najat Vallaud Belkacem, declarou que cabia ao FMI tomar uma decisão, mas que no actual governo não seria possível que uma pessoa condenada permanecesse no cargo. As evidências da sua parcialidade são tais que a maioria dos meios de comunicação dá por certa a condenação da ex-ministra de Sarkozy. O FMI carrega uma série sombria de directores atingidos por escândalos. Em 2011, Dominique Strauss-Khan teve de se demitir, depois de uma faxineira do hotel Sofitel de Nova Iorque o ter acusado de agressão sexual. Foi encarcerado primeiro e libertado depois, mas a justiça não o condenou. O caso encerrou-se à porta fechada, entre advogados, mediante o pagamento, por Strauss-Khan, de uma importante indemnização. O seu predecessor, Rodrigo Rato, o ex-ministro espanhol da economia, dos governos conservadores de José María Aznar (1996-2004) deixou a chefia em 2007, dois anos depois de ter assumido seu cargo. Não foi a justiça que o pegou, mas algo pior: a crise das subprimes.
Nos dois anos à frente do FMI, Rato e sua equipe não viram os sinais da crise que se aproximava. Em 2010, Rodrigo Rato foi nomeado director do Bankia. Renunciou ao posto em 2012, quando o organismo financeiro estava na mais absoluta bancarrota. Dominique Strauss-Kahn substituiu Rato, e tampouco terminou o seu mandato: este prestigiado economista francês e cabeça pensante do Partido Socialista francês foi decapitado, pessoal e politicamente, pelo escândalo Sofitel e pelos demais assuntos de teor sexual que foram revelados depois.
Em Julho de 2011, Christine Lagarde foi a primeira mulher escolhida para dirigir o FMI. A sua eleição apontava para um outro estilo e uma outra cara do organismo de polícia mundial dos cortes e da austeridade. Mudou o rosto mas não a política. Lagarde formava parte da famosa e famigerada Troika, composta por FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia, que impôs à Grécia, a Espanha e a Portugal a mesma receita de privatizações que soube impor na América Latina e na Ásia.
Desde que o FMI foi criado, em 1944, na conferência de Bretton Woods nos Estados Unidos, o Ocidente repartiu a torta do poder: desde então, todos os directores gerentes foram europeus, enquanto os de seu gémeo financeiro, o Banco Mundial, sempre foram estado-unidenses. Em breve as justiças nacionais se encarregarão de mudar a ordem de uma repartição de poderes que já carece de sentido. A força dos escândalos, da ineficiência planetária e dos processos judiciais pode agora romper a hegemonia ocidental dessas duas instituições.
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?

Sem comentários:

Enviar um comentário